A Europa, que é a origem dos Estados-nação no mundo,
também está na origem da conformação de, talvez,
uma nova forma de comunidade política
sui generis que poderia ser considerada a União Europeia.
Então, acho que primeiro aspecto muito importante
no debate sobre regionalismos é não colocar
na União Europeia um telos a ser seguido, ou seja,
um objetivo a ser seguido por quaisquer tipos
de modelos de construção regional
na América Latina, na Ásia ou no continente africano.
Os contextos regionais são muito importantes
e eles são muito diferenciados.
A forma como se constroem espaços regionais de integração
na Europa, na África, na Ásia, e na América Latina
e na América do Norte evidentemente são muito diferentes,
porque esses contextos variam. Havendo variação
de contexto regional, haverá também uma variação
bastante importante com relação aos modelos de integração
e de espaços regionais que serão
construídos nessas diferentes regiões.
O regionalismo é um antigo sonho latino americano.
Desde o momento das independências,
no início do século XIX, a ideia de construção
de uma grande integração regional,
de uma aliança entre as diferentes nações latino-americanas
esteve presente no ideário e no imaginário latino-americano.
Desde 1804, quando o Haiti se torna independente,
1810 quando Colômbia e México se tornam independentes
da ex-metrópole espanhola,
1816 quando a Argentina se torna um estado soberano,
também da ex-metrópole espanhola,
ou em 1822 quando o Brasil se torna independente
da ex-metrópole portuguesa, esse ideário
de integração regional esteve muito presente.
É bem verdade que na origem desse processo de
um imaginário geográfico comum,
de um imaginário de integração regional comum
entre os latino-americanos
havia uma exclusão muito natural do Brasil.
O Brasil que não era uma república, mas um império,
o Brasil que não era uma ex-colônia espanhola,
mas uma ex-colônia portuguesa,
e que, portanto falava um outro idioma,
sempre houve um recorte, uma fratura muito clara
nos processos de integração regional no século XIX
na América Latina que excluíam o Brasil.
Ou seja, a integração latino-americana ela era pautada
na ideia de construção de um espaço regional
entre as antigas colônias da metrópole espanhola.
O Brasil sempre esteve muito à parte e excluído desse processo.
Por várias razões: as próprias razões históricas,
mas também pelo fato de geograficamente,
do ponto de vista territorial, ser um país em si um país continente,
com grandes desafios dentro do seu próprio território,
de manutenção de uma coesão social,
de uma integridade territorial,
que foram, ao longo do século XIX,
após a própria independência do Brasil,
durante vários momentos ameaçada.
Ou seja, o Brasil, até se tornar efetivamente um Brasil inteiro,
ele passou por uma série de processos
de ameaças de desintegração territorial, de demandas de emancipação,
norte e sul, leste e oeste do país,
foram vários os momentos históricos...
Nós poderíamos lembrar a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul,
como um dos exemplos mais marcantes
dessa tentativa de desintegração e de fragmentação territorial.
Então, esse também é um elemento,
por assim dizer, doméstico, nacional brasileiro,
que fez com que durante muito tempo o Brasil
estivesse muito mais voltado
para dentro do que para uma integração com os seus vizinhos.
Um aspecto em termos de sistema e de organização da política
também diferenciava muito o Brasil imperial, o Brasil monárquico,
das demais nações republicanas,
e isso até o final do século XIX.
No final do século XIX, quando o Brasil se torna uma república,
vai haver uma mudança da perspectiva
sobre a integração regional na América Latina.
O Brasil se torna uma república e vai se aproximar
dos regimes republicanos tanto na América do Sul,
sobretudo na constituição, por exemplo, de um pacto
com a Argentina e com o Chile, o chamado Pacto ABC
– Pacto Argentina, Brasil e Chile, no Cone Sul –,
mas uma aproximação muito clara do Brasil com a grande república
do sistema interamericano que são os Estados Unidos da América.
Então, o Brasil vai se aproximar e vai ter uma aliança
– alguns historiados chamaram essa de uma aliança não escrita –
entre os Estados Unidos e o Brasil
ao longo dos primeiros cinquenta,
sessenta anos da república brasileira,
ou seja, os primeiros cinquenta anos do século XX
foram fundamentalmente marcados por essa aliança
entre Brasil e Estados Unidos.
Bom, como esse... tendo visto esse
breve histórico sobre a ideia da integração regional
depois da independência
das principais repúblicas latino-americanas e do Brasil inclusive,
como se dá, hoje, em termos mais contemporâneos,
essa construção de espaços regionais na América Latina?
Nós podemos ver hoje uma grande heterogeneidade de processos.
Talvez o processo mais consolidado e o mais importante,
apesar de todas as suas crises, ainda seja o Mercosul,
englobando Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai na sua origem,
ao qual se associou muito recentemente a Venezuela,
e a Bolívia em processo de adesão
– essa demanda de adesão já foi formulada pelo Estado boliviano –,
então o Mercosul como sendo o Mercado Comum do Sul
o principal processo na atualidade de integração
do ponto de vista produtivo, comercial,
mas também com uma diversidade de âmbitos institucionais
aonde a integração mercosuriana também avançou
– do ponto de vista da educação,
do ponto de vista dos debates sobre políticas sociais,
participação da sociedade civil e dos movimentos sociais
na construção, na tentativa de construção
de uma identidade do Mercosul
para todas essas sociedade e países que fazem parte do Mercosul.
Esse é um primeiro, digamos, exemplo,
de espaço regional construído na América Latina hoje.
Um segundo espaço importante e que teve,
digamos, que a sua relevância muito marcada pela emergência
do bolivarianismo na Venezuela,
e capitaneado pela riqueza petrolífera do estado venezuelano,
diz respeito à Aliança Bolivariana das Nações – a ALBA –
congregando Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua,
Cuba, ou seja, uma série de países que,
de uma forma bastante... sem contiguidade geográfica,
mas de uma forma bastante articulada
em torno da riqueza petrolífera da Venezuela,
construíram uma série de programas de cooperação